quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Motivação: realização profissional e pessoal

O homem tem uma característica inerente à sua natureza. Não importa a origem, o credo ou a posição social, pois ele sempre estará em busca de algo, de uma conquista, um sonho, uma realização. Alguns almejam desejos mais simples, outros buscam desafios maiores e isso se revela de várias formas, tanto no campo pessoal quanto profissional. E quando essas aspirações relacionam-se com a carreira, entra em cena um fator decisivo para o sucesso ou não do profissional: a motivação. Mas, como se motivar diante de tanta pressão e das adversidades que o mercado de trabalho oferece? Existem dicas que podem ajudar a pessoa a se auto-motivar ou mesma orientações para que as empresas desenvolvam programas motivacionais que gerem resultados satisfatórios? Por que, cada vez mais se observa que o número de contratações e promoções frustra tanto as organizações quanto as pessoas que buscam obter sucesso na carreira? Para cada uma dessas perguntas, certamente há mais de uma resposta, pois as pessoas possuem necessidades individuais e as empresas possuem culturas próprias, que revelam suas identidades e realidades. “Estamos confrontados com dois problemas-chaves: o primeiro é o desalinhamento existente entre as motivações internas e as atividades a serem executadas. O segundo é que não há alternativas suficientes de postos de trabalho para que se possa, ao menos, procurar minimizar esse desalinhamento”, afirma Dieter Kelber, consultor e pesquisador do INSADI - Instituto Avançado de Desenvolvimento Intelectual e da Business Processes School. Em entrevista concedida ao RH.com.br, Kelber faz uma análise dos motivos que levam as pessoas a se sentirem insatisfeitas com suas atividades profissionais e a estreita relação existente entre motivação e carreira. Confira a entrevista na íntegra e aproveite a leitura!
RH.COM.BR - No mercado, observa-se que é significativo o número de contratações e promoções que frustram as expectativas tanto das empresas quanto dos profissionais. Onde está a raiz desse problema?Dieter Kelber - Na realidade, observa-se que esta situação já vem de algum tempo, quando houve uma sensível redução dos postos de trabalho disponíveis e um crescimento constante, a cada ano, da mão-de-obra disponível. Assim, cada vez mais os profissionais colocaram como meta principal a conquista de um trabalho que garantisse a sua sobrevivência econômica, independentemente se havia ou não um alinhamento de suas vocações natas, ou seja, suas motivações internas com as atividades que deveriam executar. Ou seja, observamos o atendimento da tão conhecida necessidade básica de Maslow, a sobrevivência. Então, podemos afirmar que estamos confrontados com dois problemas-chaves: o primeiro que é o desalinhamento entre as motivações internas e as atividades a serem executadas; e o segundo que não há alternativas suficientes de postos de trabalho para que se possa, ao menos, procurar minimizar esse desalinhamento. No que se referem às promoções frustradas, elas seguem as mesmas causas, onde por medo de se dizer um não, acaba-se aceitando novos desafios muitas vezes incompatíveis com nossas vocações. Nem todas as pessoas têm inclinações para a gestão ou liderança, por exemplo.
RH - Que outros fatores interferem para que essa situação permaneça acentuada no mercado?Dieter Kelber - Talvez devamos fazer uma reflexão se a falta de autoconhecimento, cada vez maior, dos jovens sobre suas inclinações, quando vão escolher uma profissão para estudar, seja numa universidade ou escola técnica, não é levada adiante quando ingressam no mercado de trabalho. Quando nós tínhamos um núcleo familiar tradicional, ou seja, uma família onde o pai trabalhava e a mãe cuidava da casa, era mais fácil acompanhar o desenvolvimento dos filhos e perceber de alguma forma as atividades que mais gostava de executar. E, assim, acabavam sendo bons conselheiros na hora da escolha da profissão. Também é preciso reconhecer que naquela época o mercado de trabalho era mais cartesiano, com profissões claramente definidas, e, o principal, com muitas alternativas para serem selecionadas. Hoje os jovens são muito mais independentes, mas também mais inseguros. Embora tenham mais informações que as gerações passadas, a mudança da estrutura familiar e das características do mercado de trabalho - menos cartesiano, mais multidisciplinar e multicultural, com menos níveis hierárquicos e mais responsabilidades iniciais - deixaram eles mais imaturos para ingressaram com a correta motivação numa organização. Evidente, é preciso ressaltar, que o desenvolvimento do autoconhecimento e da maturidade correlata varia de pessoa para pessoa, tanto do ponto de vista de suas características genéticas ou do contexto histórico-social em que se situa.
RH - O que mais pesa no desempenho de um profissional: a motivação externa ou a interna?Dieter Kelber - Acredito que todos concordam que quando fazemos algo que gostamos, a possibilidade de termos um bom resultado é maior do que quando executamos uma atividade pela qual não temos o mínimo prazer. Também nos parece razoável dizer que o trabalho não é meramente um instrumento de sobrevivência, e sim uma forma de se ter uma realização pessoal e profissional. Ainda podemos afirmar que todas as pessoas de sucesso - aquelas que atingiram os resultados almejados -, independentemente de terem alcançado ou não qualquer nível de riqueza material, simplesmente amavam o que faziam. As pessoas almejam sucesso, pois este leva até patamares mais elevados de maturidade. Aqui é importante ressaltar que não devemos confundir sucesso com fama. Eu posso, por exemplo, ser famoso por fazer tudo errado. Mas jamais terei sucesso fazendo tudo errado. Entrando, no cerne da sua pergunta, o que as empresas querem e precisam ter é o famoso ROI, ou seja, o retorno de investimento. Lucro. As pessoas, por seu lado, sucesso. Então, se a motivação interna está alinhada com as atividades, o profissional terá sucesso e conseqüentemente contribuirá de forma significativa para que as empresas alcancem os seus resultados. A motivação externa é um remédio que tem poucas chances de trazer o alinhamento que mencionamos.
RH - O Sr. pode citar um exemplo, para quem ainda confunde fama com sucesso?
Dieter Kelber - Claro que sim. Vamos pegar o nosso caso. Gostamos de dar aula, de dar palestras, independentemente de qualquer remuneração. Dentro do leque e habilidades que temos, acreditamos conseguir resultados bastante razoáveis. Agora, se nos pedirem para fazer um discurso para uma multidão na Avenida Paulista, pagando um caminhão de dinheiro, podemos até fazer, mas como não temos qualquer motivação interna para tal exposição, certamente seremos estrondosamente vaiados.
RH - A motivação interna é um reflexo da motivação externa ou vice-versa?
Dieter Kelber - Nos parece claro, e muitos outros estudiosos concordam, que a motivação externa tenta suprir a falta da motivação interna. E, para a frustração das organizações, não consegue. Importante não confundirmos motivação externa com incentivos para diminuição de gaps de competência. Se colocarmos indicadores e nos esforçamos para alcançá-los, isso está vinculado com desempenho, ou seja, com a minha competência para realizar determinada tarefa. Diferente, por exemplo, do que chamamos de benefícios complementares aos rendimentos básicos. É óbvio que as pessoas que têm a motivação interna alinhada com as atividades que estão executando, usufruirão mais das motivações externas oferecidas, porém como uma conseqüência quase que natural, sem impacto algum direto no seu trabalho.
RH - Essas duas formas de motivação entram em conflito?
Dieter Kelber - Não acredito que se possa falar em conflito. Diria que a motivação externa tenta "tapar o sol com a peneira". Tenta resolver uma situação com aspirina quando talvez a necessidade seja de uma cirurgia. Podemos até nos sentir melhor com a aspirina, mas ao continuarmos a fazer o que não gostamos, a dor de cabeça logo voltará. A impressão que tenho é que contratantes e contratados comunicam-se na grande maioria das vezes fora de freqüência, embora insistam formalmente em dizer que tudo está bem. Ambos os lados cometem o grande erro de acharem que a motivação externa irá resolver tudo.
RH - Então, qual a alternativa para solucionar essa questão?
Dieter Kelber - Devemos tratar essa situação como fazemos em caso de doença. Começar pelo diagnóstico, tanto do posto de trabalho da empresa como do seu futuro possível ocupante. No que se refere ao capital humano, hoje há excelentes testes que permitem que as pessoas tenham com uma boa exatidão, um retrato de seu perfil vocacional ou de suas inclinações. Gosto muito do teste Human Guide desenvolvido na Suécia e que cada vez mais vem sendo usado aqui no Brasil. Ou seja, não há qualquer dificuldade de se ter um autoconhecimento confiável na busca de um posto de trabalho. A complicação está na outra ponta, na empresa que tem bastante experiência para especificar que competências e habilidades são requeridas num posto de trabalho, mas não consegue fazer o mesmo quando se trata da motivação interna. Há organizações que, por exemplo, acham que vendedor é vendedor, independentemente se ele vende alguma coisa tangível ou intangível. Quantas empresas perguntam aos candidatos a uma gerência financeira se eles gostam de colecionar alguma coisa ou se são conservadores? A quem você confiaria o dinheiro de sua organização? Infelizmente, não vemos soluções de curto prazo, pois cada vez mais, pela diminuição dos ditos "cabeças brancas" nas empresas, falta a expertise sobre a maturidade do posto de trabalho. Algumas empresas têm buscado pessoas aposentadas ou consultores bastante experientes para amenizar essa dificuldade.
RH - Nesse cenário, onde o líder se encaixa?
Dieter Kelber - Esse é um ponto importante. No atual contexto empresarial, onde as estruturas organizacionais estão ficando mais orgânicas, onde a horizontalização através da gestão de processos está cada vez mais presente nas organizações, onde a globalização exige um perfil de pessoas mais multiculturais, multidisciplinares e interdisciplinares, onde colaborar e ensinar estão na ordem do dia e, principalmente, a questão do desenvolvimento sustentável é uma prioridade, não é mais possível nessa complexidade crescente falarmos de líder. O que as empresas precisam hoje são de lidestores, ou seja, profissionais que saibam planejar como um gestor, mas tenham a visão do todo, como um líder. Este profissional, o lidestor, devido à combinação de seus traços vocacionais e conseqüentemente de suas motivações internas, terá o papel de ser o libertador da energia interna de cada participante de sua equipe, buscando o melhor dos alinhamentos entre a motivação e as atividades a serem executadas. Deverá ter total desprendimento para buscar sempre o melhor alinhamento, dentro da organização, ou se não possível, então, na sua rede de interações sociais externa. A colaboração é a palavra-chave hoje. Quem faz o que não gosta dificilmente irá colaborar. Os lidestores farão a real grande diferença entra as empresas.
RH - Já que os temas motivação-carreira estão intimamente relacionados, não podemos deixar de focar a participação do profissional de RH. De forma prática, como a área deve atuar no dia-a-dia para que empresa e funcionários tenham suas necessidades atendidas?
Dieter Kelber - Do ponto de vista do capital humano, um dos grandes objetivos de uma empresa é desenvolver lidestores. Ou seja, desenvolver os gestores para serem líderes e desenvolver os líderes para serem gestores. O grande papel do RH é colaborar de forma atuante neste desenvolvimento, transferindo para gestores e líderes os conhecimentos necessários para se fazer uma adequada Gestão de Pessoas. Entretanto, para que essa transferência seja eficiente e eficaz, o RH precisa entender cada vez mais dos negócios da empresa, pois só assim saberá de suas reais necessidades e conseqüentemente das motivações internas que os componentes de uma equipe precisam ter. Uma atuação colaborativa do RH com os lidestores certamente melhorará, e muito, a eliminação dos desalinhamentos. Mas, é preciso para harmonizar a comunicação que os lidestores conheçam melhor o intangível das pessoas e o RH a racionalidade dos negócios. É algo mais ou menos assim: Você quer melhorar as pessoas? Invista nos processos. Você quer melhorar os processos? Invista nas pessoas.
RH - Se cada pessoa possui uma necessidade específica, que procedimentos a área de RH deve adotar ao implantar um programa motivacional?
Dieter Kelber - A posição que defendo já há algum tempo é que o atendimento das necessidades específicas de um colaborador, sejam elas de cunho de desalinhamento motivacional ou outro qualquer, deva ser dos lidestores, com a colaboração ou não do RH, dependendo da situação ou do grau de preparo e maturidade do lidestor. Planos motivacionais, como falamos anteriormente, trarão poucos resultados se não houver uma harmonia entre as pessoas e as competências requeridas pelos processos. Um programa de diagnóstico do clima de trabalho pode ajudar os lidestores a desenvolverem programas participativos com suas equipes na busca de soluções para eventuais conflitos. Cabe ao RH colaborar de forma ativa quando os lidestores ainda não têm a maturidade e o conhecimento suficiente para lidarem com as questões voltadas mais ao intangível. Um outro papel importante do RH é auxiliar a organização a eliminar o maior número possível de desalinhamentos. Normalmente, ele já tem um bom banco de dados sobre os perfis dos colaboradores, porém não se pode falar a mesma coisa com relação às motivações requeridas nos postos de trabalho. A existência desses dois bancos auxiliaria de sobremaneira os lidestores a encontrarem colaboradores adequados para os seus processos, como também encontrar processos na organização que possam absorver aqueles que precisam de uma atividade mais alinhada com suas necessidades motivacionais.
RH – Algum recado final para nossos leitores?
Dieter Kelber - Quero deixar uma dica final, ou seja, que as empresas busquem utilizar, a exemplo do Human Guide, metodologias ou programas de levantamento de perfis vocacionais que sejam facilmente entendíveis por todos, ou seja, que não haja necessidade de ser psicólogo para seu entendimento empresarial. Quanto mais cada um de nós souber de si e dos outros, e vice-versa, maior a probabilidade de um bom trabalho em equipe e um eficiente e eficaz alinhamento com os objetivos e tarefas da organização.

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